Quem matou a indústria brasileira?

 

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Quem matou a indústria brasileira?


A guerra silenciosa entre política industrial e macroeconomia que transformou uma potência em economia de serviços


Quem matou a indústria brasileira?

Essa é a pergunta que economistas, empresários e formuladores de política deveriam fazer todos os dias.

Entre 1930 e 1980, o Brasil foi um dos três países que mais cresceram no mundo. Construímos uma estrutura industrial complexa, desenvolvemos setores de ponta e éramos referência em desenvolvimento econômico.

Mas algo aconteceu.

Hoje, a indústria de transformação que representava 25% do PIB caiu para míseros 10%.

Viramos uma economia de padarias, cabeleireiros, manicures e motoristas de Uber. Engenheiros viraram motoristas de aplicativo.

A sofisticação produtiva desapareceu.

A desindustrialização precoce em números: a indústria no Brasil perde espaço e os serviços tradicionais crescem — com produtividade muito menor.

O culpado não é a falta de políticas industriais.

O Brasil implementou políticas tecnológicas e de inovação com competência nas últimas décadas. O problema é que essas políticas travaram uma guerra silenciosa contra a macroeconomia.

E a macroeconomia venceu. De forma brutal e definitiva.

Hoje vou mostrar como três erros macroeconômicos sistemáticos assassinaram a indústria brasileira enquanto os países asiáticos fizeram exatamente o oposto e viraram potências.

Vamos mergulhar!

O primeiro assassino: juros estratosféricos que tornaram a produção um péssimo negócio.

Imagine tentar empreender num país onde você pode dobrar seu dinheiro a cada dois anos sem fazer absolutamente nada. Apenas aplicando em títulos públicos. Foi exatamente isso que aconteceu no Brasil.

Durante a era FHC, os juros chegaram a 40% ao ano.

Na era Lula, mesmo com todas as tentativas de política industrial, o Banco Central aplicou choques que levaram a taxa a 24%. Esses números não são apenas altos - são economicamente assassinos.

Nenhum investimento produtivo consegue competir com essa rentabilidade sem risco.

Por que construir uma fábrica?

Por que investir em pesquisa e desenvolvimento?

Por que inovar?

A classe rentista brasileira descobriu o segredo: ficou rica na moleza, quintuplicando fortunas em 15 anos enquanto o país se desindustrializava.

Os juros altos também explodiram a dívida pública.

A dívida interna saltou de 108 bilhões em 1994 para 328 bilhões em 1998. A dívida externa foi de 148 bilhões para 241 bilhões no mesmo período. Quando o governo gasta uma fatia gigantesca do orçamento pagando juros, sobra menos para infraestrutura, educação e tecnologia.

O fiscal vira refém do rentismo.

Enquanto isso, os asiáticos mantiveram juros baixos por décadas.

Não por acaso - mas por estratégia deliberada de forçar o capital a buscar oportunidades produtivas. Se você não pode ganhar dinheiro fácil com juros, precisa investir em fábricas, inovação e exportação.

Simples assim.

O segundo assassino: câmbio sobreapreciado que transformou industriais em importadores.

A taxa de câmbio determina o que uma economia vai produzir.

É o preço relativo entre bens transacionáveis (que competem no mercado global) e não transacionáveis (imóveis, serviços locais).

Quando o câmbio está apreciado, a economia recebe um sinal brutal: pare de produzir manufaturas complexas e foque em commodities e serviços.

As apreciações cambiais das eras FHC, Lula e Dilma destruíram a indústria brasileira por três caminhos simultâneos.

Primeiro, aniquilaram as margens de lucro.

O setor de bens transacionáveis sofre duplamente com câmbio apreciado: os preços dos produtos caem dentro do país e os custos de produção sobem (salários são não transacionáveis).

A rentabilidade desaparece.

Sem incentivo para produzir domesticamente e sem condições de competir no mercado mundial, o empresário industrial brasileiro virou importador, montador ou simplesmente fechou as portas.

Segundo, redirecionaram investimentos para setores improdutivos.

Os recursos migraram para imóveis, shopping centers, construção civil e serviços de baixa sofisticação.

A alavancagem de crédito na era Lula e Dilma provocou um boom imobiliário e de consumo. Toda a expansão do PIB pós-2008 foi baseada em serviços não sofisticados.

A indústria entrou em colapso enquanto construíamos prédios e shoppings.

Terceiro, reprimarizaram violentamente a pauta exportadora.

Em 2014, cinco produtos respondiam por quase 50% das exportações: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes.

O Brasil regrediu tecnologicamente de forma assustadora. Enquanto isso, Coreia do Sul, China, Tailândia e Malásia mantiveram câmbio competitivo e exportam eletrônicos, máquinas, automóveis e produtos de alta complexidade.

A abertura comercial dos anos 1990, combinada com câmbio sobrevalorizado, foi equivalente a uma bomba nuclear na estrutura produtiva brasileira.

O terceiro assassino: a guerra entre política industrial e macroeconomia que ninguém coordenou.

Aqui está o cerne do problema que mata o desenvolvimento brasileiro: você não pode fazer política industrial com os preços macroeconômicos errados. É impossível.

É como tentar enxugar gelo.

O governo Lula é o exemplo perfeito dessa contradição assassina.

De um lado, lançou políticas industriais sofisticadas: PAC, Política de Desenvolvimento Produtivo, Lei do Bem, Lei de Inovação, PITCE, PDP. Tudo bem desenhado, com recursos, com governança. Do outro lado, o Ministério da Fazenda com Palocci e o Banco Central com Meirelles aplicaram uma política macroeconômica duríssima: choque de juros a 24% e câmbio ultravalorizado.

O governo ficou completamente desarticulado. Uma mão construindo, a outra demolindo.

Bresser-Pereira sempre alertou: nessas condições você fica “enxugando gelo”.

As políticas industriais criam estímulos, mas esses estímulos são totalmente neutralizados pelo desestímulo violento de juros altos e câmbio apreciado.

A comunidade de ciência e tecnologia realiza no Brasil um trabalho admirável, mas os resultados são anulados pela macroeconomia desastrosa.

Não adianta ter política industrial competente quando a macro está assassinando a indústria.

Os asiáticos sempre mantiveram os cinco preços macroeconômicos no lugar certo:

→ Taxa de juros baixa

→ Taxa de câmbio competitiva

→ Salários crescendo com produtividade

→ Inflação baixa

→ Lucros empresariais altos.

Os países que mais aumentaram produtividade investiram pesado em capital físico e tecnológico — o oposto do Brasil.

Não tem sido por falta de políticas industriais competentes que os países latino-americanos não conseguem se industrializar. É pela ausência de coordenação entre política industrial e gestão macroeconômica.

O Brasil substituiu projeto nacional por plano de estabilização.

Traumatizados pela hiperinflação dos anos 1980, abandonamos completamente a perspectiva de desenvolvimento. Toda a visão de infraestrutura, tecnologia e industrialização foi trocada pela obsessão inflacionária.

Nosso projeto de país virou controlar preços. Nada mais.

Trinta anos aplicando planos de estabilização enquanto a Ásia construía as maiores potências industriais do século XXI.

A grande maioria dos empregos gerados no Brasil nos últimos anos foi em setores de baixa produtividade: construção civil, restaurantes, cabeleireiros, call centers, motoristas. Os empregos industriais sumiram.

A produção industrial colapsou com queda de 20% entre 2014 e 2016.

Países como Coreia do Sul, Japão e Alemanha mantêm 25% do PIB na indústria. Tailândia e China chegam a 30%. Na Índia, Vietnã, Turquia e Leste Europeu, o setor industrial conquista espaço.

O Brasil se desindustrializou antes de ficar rico. Engenheiros viraram motoristas de Uber.

A resposta para “quem matou a indústria brasileira” está clara: foram os preços macroeconômicos sistematicamente errados que neutralizaram décadas de políticas industriais competentes.​​​​​​​​​​​​​​​​

P.S.: “A didática é exemplar, com linguajar extremamente acessível para quem está adentrando no mundo econômico, reforçando os pontos essenciais sem se ater a detalhes que não contribuem para a grande compreensão.” — Edson Ricardo Junior, aluno da nossa Escola de Complexidade Econômica. Complexidade explicada com clareza. Acesse aqui.

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Abraços,

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