Melissa expõe o colapso (e o colonialismo) climático
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Melissa expõe o colapso (e o colonialismo) climáticoTempestade de categoria máxima atinge a Jamaica com ventos devastadores. Qual sua relação com o aquecimento dos oceanos? O que revela sobre o fato de as nações que menos contribuem para crise climática serem as suas maiores vítimas À altura em que este texto estava sendo escrito, na tarde desta terça-feira (28), o furacão Melissa, com ventos de até 298 km/h, conforme medições anteriores, chegava à costa da Jamaica. A perspectiva é que ele tenha um impacto devastador no país, que nunca foi atingido por uma tempestade de categoria 5 — o nível mais elevado da Escala de Saffir-Simpson, utilizada para classificar furacões no Atlântico e no Pacífico Norte. Ele atingiu a costa por volta das 13h (horário do leste dos EUA), perto de New Hope. Até agora, em 150 anos de registros, o furacão mais forte a alcançar a ilha caribenha havia sido o Gilbert, em 1988, que chegou ao país como uma tempestade de categoria 3 e causou 45 mortes. Por mais que alertas tenham sido dados, especialistas apontam que se preparar para uma tempestade da dimensão de Melissa é uma tarefa impossível. O furacão deve ser um dos mais fortes a atingir também Cuba, ainda que em uma categoria menor (3), chegando à metade leste da ilha na noite desta terça-feira, trazendo um conjunto de chuvas torrenciais, ventos fortes e marés elevadas. Mais enfraquecida, a tempestade chegará às Bahamas e, potencialmente, a Bermudas. Para se ter uma ideia do impacto catastrófico do furacão Melissa, a previsão é que ele cause, na Jamaica, 1.020 mm de chuva nas próximas horas — o equivalente a sete a oito meses da precipitação média acumulada da cidade de São Paulo. Equivale ainda a três meses do período chuvoso no país caribenho. A especialista em ciclones tropicais da Organização Meteorológica Mundial (OMM, ou WMO na sigla em inglês), Anne-Claire Fontan, aponta que há risco de uma “falha estrutural total”. “Isso significa que haverá inundações repentinas catastróficas e numerosos deslizamentos de terra”, explica. “Além da chuva e do vento destrutivo, haverá uma tempestade também esperada na costa sul da Jamaica, com ondas de três a quatro metros de altura, potencialmente destrutivas.” Os ventos extremos devem causar “danos extensos à infraestrutura, isolando comunidades e interrompendo serviços essenciais por dias, se não semanas”, de acordo com o chefe da delegação da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (IFRC), Necephor Mghendi. E é um duro golpe para muitas famílias jamaicanas que ainda estão se recuperando dos impactos do furacão Beryl, que, em julho de 2024, deixou um rastro de destruição com ventos de 251 km/h, um saldo de quatro mortos e centenas de milhares de casas sem luz. “O furacão Melissa agora ameaça as mesmas comunidades, e talvez todas as atividades sejam destruídas”, alerta ele. “Este é um exemplo de como eventos climáticos extremos podem realmente causar choques nas comunidades e sobrecarregar sua capacidade de resistência.” Aumento na ocorrência de tempestadesComo aponta o editor sênior do Ars Technica, Eric Berger, Melissa é apenas a 45ª tempestade desde 1851 a atingir a categoria 5, definida a partir da existência de ventos sustentados de 252 km/h ou mais. Antes deste ano, houve apenas uma temporada com três furacões de categoria 5 registrados, em 2005, quando três tempestades atingiram estados do Golfo dos EUA: Katrina, Rita e Wilma. Já neste ano, Erin e Humberto alcançaram a categoria 5, e Melissa é o terceiro furacão desse tipo. As duas tempestades anteriores não representaram uma ameaça significativa aos países da região, diferentemente da atual. Foram sete tempestades de categoria 5 nos últimos três anos e 13 na última década, escreveu o meteorologista Dennis Mersereau em seu perfil no Bluesky. Esse aumento na ocorrência de tempestades devastadoras se relaciona, segundo cientistas, às mudanças climáticas em curso. No caso de Melissa, ele passou da categoria 4, com ventos de 225 km/h, entre 25 e 26 de outubro, para a 5, no dia 27, após sofrer uma intensificação extremamente rápida, com um aumento impressionante de cerca de 112 km/h em apenas 24 horas. Isso ocorreu porque a tempestade passou lentamente sobre águas oceânicas que estavam 1,4°C mais quentes que a média — condições que, segundo o Climate Central, grupo independente de cientistas, “se tornaram até 700 vezes mais prováveis devido às mudanças climáticas causadas pelo homem”. “Essa parte do Atlântico está extremamente quente agora — cerca de 30 graus Celsius, o que é de 2 a 3 graus acima do normal”, pontua o meteorologista da Universidade de Reading, no Reino Unido, Akshay Deoras, à Associated Press. “E não é só a superfície: as camadas mais profundas do oceano também estão excepcionalmente quentes, fornecendo uma vasta reserva de energia para a tempestade.” As mudanças no clima e o fortalecimento dos furacõesO Climate Central conta com um Índice de Mudanças Climáticas: Ciclones Tropicais (CSI, na sigla em inglês), baseado em metodologia revisada por pares e dados de alta qualidade, que quantifica o impacto das mudanças climáticas causadas pelo homem na intensidade de uma tempestade. O sistema é construído com base em outra ferramenta, o Índice de Mudança Climática: Oceano (Ocean CSI), que mostra as temperaturas diárias da superfície do mar em todo o mundo e quantifica como as mudanças climáticas aumentaram ou reduziram a probabilidade de ocorrerem tais temperaturas. Segundo dados dos cientistas do grupo, as taxas de precipitação dos ciclones tropicais estão aumentando em mais de 1% ao ano, ampliando o risco de inundações, já que as tempestades de níveis elevados retêm mais umidade e mantêm sua força por mais tempo quando estão sobre a terra firme. Isso porque os furacões são alimentados por água, e qualquer interação com a terra começa a enfraquecê-los. Melissa, contudo, tornou-se um furacão tão poderoso que a queda na velocidade do vento não afeta significativamente seu impacto. As taxas de precipitação dos ciclones tropicais aumentaram no Atlântico, e novas elevações são esperadas à medida que o aquecimento continua. Apenas no Caribe Central, as temperaturas da superfície do mar estão 1,4°C acima da média para meados e final de outubro, fornecendo a energia térmica extra que está alimentando a força de Melissa. “O aquecimento climático causado pelo homem está agravando todos os perigos de Melissa: gerando chuvas mais intensas, ventos mais danosos e maiores ondas de tempestade ao longo da costa”, resume o meteorologista e cientista climático do Climate Central, Daniel Gilford. ‘Injustiça suprema’ e responsabilidadesDesde 1970, a ciência demonstrou que os oceanos absorveram cerca de 93% do excesso de calor gerado pelas emissões de carbono, já que a água do mar tem uma capacidade muito maior de reter calor em comparação com a atmosfera. E cada décimo de grau de aquecimento do oceano aumenta os riscos de tempestades mais fortes e níveis mais altos do mar. Para entender o papel das mudanças climáticas em fenômenos como Melissa, deve-se levar em conta que o aquecimento das águas oceânicas alimenta os sistemas tropicais. Assim, com a temperatura dos oceanos subindo em função da ação humana, a probabilidade de furacões mais fortes aumenta. E a elevação do nível do mar devido às mudanças climáticas também potencializa as marés de tempestade, provocando um aumento anormal do nível da água, devastador para as regiões costeiras. Por outro lado, como destaca matéria do The Weather Channel, uma atmosfera mais quente também é capaz de reter mais umidade, resultando em chuvas mais intensas nos sistemas tropicais. Estima-se que as taxas de precipitação nesses sistemas estejam aumentando 1% ao ano devido às alterações climáticas. “O ar quente pode reter mais água do que o ar frio, resultando em mais precipitação. À medida que a atmosfera continua a aquecer, ela atua como uma esponja em expansão, capaz de reter — e liberar — cada vez mais água. Qualquer furacão que se forme hoje pode aproveitar isso para trazer chuvas mais intensas por onde passar”, detalha a diretora de Análise Climática Estratégica no programa Clima e Energia da Union of Concerned Scientists, Érika Spanger. “Em uma injustiça suprema, as pessoas e os lugares no caminho desta tempestade estão entre aqueles que menos contribuíram para a crise climática e, ainda assim, estão na linha de frente de suas consequências mortais e custosas”, observa a cientista. “As autoridades governamentais estão fazendo o que podem com recursos limitados, incluindo um enorme esforço de evacuação em andamento em Cuba. A Jamaica tem estado na vanguarda da busca por maneiras inovadoras de investir em recuperação e resiliência a desastres, incluindo um título de catástrofe (com um gatilho paramétrico que será atingido pelo furacão Melissa). Espera-se que isso proporcione acesso rápido a fundos para recuperação e reconstrução após a tempestade.” Spanger aponta que será necessário muito mais para proteger as nações caribenhas no futuro, mas a assistência é apenas um dos aspectos de um problema maior e global. “Neste momento, o foco deve estar na segurança e na preparação para emergências. Mas não podemos esquecer que há quem seja responsável por desastres como este: os decisores políticos e as empresas de combustíveis fósseis que há muito obstruem as ações climáticas, mentem sobre a ciência e deixam as comunidades enfrentar a destruição causada por eventos extremos”, pontua, deixando ainda um conselho para Donald Trump: “Os Estados Unidos devem desempenhar um papel construtivo nesse esforço, em vez de trilhar o caminho da agressão militar na região.” | A A |
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