INTERNACIONAL
A A | Política global de drogas: saúde, não guerraNa 68ª sessão da Comissão de Narcóticos da ONU, a América Latina brilhou: com suas propostas e exemplos, Colômbia, Brasil e Uruguai mostraram que só uma abordagem baseada na saúde pública, e não na violência, faz uma boa política de drogas or Cláudia Braga, para a coluna Cuidar das pessoas, cuidar das cidades Aconteceu em Viena, entre os dias 10 e 14 de março de 2025, a 68ª sessão da Comissão de Narcóticos (Commission on Narcotic Drugs – CND), órgão da ONU responsável pela formulação de políticas relacionadas às drogas. A CND serve como fórum global para discussões e formulações de respostas aos desafios relacionados às drogas, abrangendo desde organizações e economias ilícitas até os impactos na vida das pessoas afetadas pelo tráfico e pelo uso de substâncias. Nas sessões anuais, os Estados-membros da ONU, incluindo o Brasil, estabelecem compromissos internacionais que influenciam mudanças nas legislações e políticas públicas nacionais — daí a importância de acompanhar as decisões tomadas nesse espaço. A 68ª CND foi histórica devido ao ineditismo de algumas resoluções adotadas e ao próprio processo de aprovação, com todas sendo submetidas à votação em um ambiente onde a norma é buscar o consenso — prática conhecida como “espírito de Viena”. Mais uma vez, os EUA desafiaram o multilateralismo, levando blocos de países que historicamente se opõem devido a divergências em políticas de drogas a votarem juntos. Entretanto, não foi apenas por isso que essa CND foi histórica. As intensas trocas entre países e sociedade civil nos eventos paralelos à plenária, compartilhando inovações e discussões locais e demandando transformações, direcionaram novos rumos para refletir sobre políticas de drogas e redução de danos, a partir de uma perspectiva do Sul Global. A guerra às drogas afeta desproporcionalmente pessoas e países. Se é verdade que boas e efetivas respostas para políticas públicas são aquelas que dialogam com os problemas e necessidades reais das pessoas, a formulação de novos entendimentos e respostas para políticas de drogas só pode vir dos países do Sul mais afetados pela política de guerra às drogas. E é o que parece estar acontecendo, como mostrou a atuação das delegações do Brasil, da Colômbia e do Uruguai. A América Latina na vanguarda das Políticas de DrogasEntre as resoluções adotadas na 68ª CND, destaca-se a liderada pela Colômbia (E/CN.7/2025/L.6/Rev.1), que gerou debates e tensões ao propor o estabelecimento de um painel de especialistas encarregado de desenvolver recomendações para fortalecer o sistema global de controle de drogas. Na prática, isso significa que será realizada uma revisão externa das convenções internacionais sobre drogas — ou seja, não será a CND a revisar as convenções, mas um conjunto de especialistas com o mandato de preparar recomendações aos Estados-membros visando a fortalecer a implementação das convenções e compromissos políticos. Não é pouca coisa que a Colômbia tenha liderado essa resolução. Em um cenário histórico onde um bloco de países mantém firme a adoção de medidas de guerra às drogas, a Colômbia tem trabalhado por uma política de drogas centrada nas pessoas e fundamentada nos direitos humanos. Outra resolução inédita adotada pelo Brasil e outros países abordou a necessidade de criar respostas aos impactos ambientais das atividades ilícitas relacionadas às drogas (E/CN.7/2025/L.7/Rev.1). Isso reconhece que atividades como cultivo, produção e transporte ilícitos de drogas afetam o meio ambiente, abrindo caminho para a construção de agendas conjuntas e respostas integradas entre políticas ambientais e de drogas — um momento oportuno, já que a COP30, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, será realizada em Belém (PA) neste ano. Além disso, a resolução encoraja explicitamente os Estados-membros a “promover e proteger meios de subsistência sustentáveis e viáveis para povos indígenas e comunidades locais” afetadas, reconhecendo os impactos das atividades ilícitas e das respostas dos Estados nesses povos e comunidades. São passos importantes rumo a novas políticas de drogas. Mas os debates nos eventos paralelos clamavam por mudanças ainda mais robustas. Uma perspectiva do Sul para as políticas de drogasViolência, encarceramento e exclusão social são resultados das políticas de drogas baseadas na guerra às drogas. Baixo acesso à educação, emprego e serviços sociais e de saúde também são consequências da política proibicionista. Há décadas, o mundo insiste em uma política de enfrentamento às drogas com respostas de caráter repressivo e punitivo. Isso não funcionou — e essa é a conclusão expressa em eventos paralelos por alguns dos países mais afetados pela guerra às drogas e que estão reformulando suas políticas, como Colômbia, Brasil e Uruguai. Entre os países que buscam mudanças de paradigma, é consenso que é preciso redefinir o que deve ser abordado como problema, construindo outras respostas. Nesse contexto, a Colômbia enfatizou a necessidade de uma política de drogas baseada na saúde pública e na redução das condições de exclusão social e criminalização. O enfrentamento deve ser direcionado à economia e aos grandes mercados ilícitos, não às pessoas que usam drogas, às mulheres que transportam substâncias ou às comunidades afetadas por esses mercados. A política de drogas da Colômbia prevê a substituição de mercados ilícitos, incluindo a agricultura familiar no cultivo, com foco em desenvolvimento alternativo e criação de zonas de esperança e paz nos territórios. O desenvolvimento alternativo é fundamental na política sobre drogas e impacta o desenvolvimento local, especialmente rural, com a substituição do cultivo de economias ilícitas por cultivos com viabilidade comercial. Na Colômbia, a reforma agrária e a incorporação das mudanças trazidas por ela nos territórios são essenciais e fazem parte da política sobre drogas. A delegação do Uruguai foi enfática em sua posição: “É pela construção democrática que se constrói uma política sobre drogas”. Uma política de drogas deve oferecer oportunidades, e não punições; romper barreiras de acesso a serviços sociais e de saúde; e abrir portas para indivíduos e comunidades. Foi o Uruguai que defendeu a formulação de uma perspectiva de redução de danos desde o Sul, destacando a necessidade de consolidar estratégias estruturais nessa abordagem. O argumento é de que, no Norte Global, a redução de danos tem como foco principal salvar vidas e ampliar o acesso à saúde em resposta aos desafios que esses países vivenciam – o que já é um avanço significativo. No Sul Global, porém, devido à história da guerra às drogas e seus impactos negativos, outros temas se somam ao argumento da saúde pública para uma abordagem de redução de danos: é preciso falar do sofrimento social, das barreiras estruturais de acesso a direitos, e do cultivo e agricultura. Uma política de drogas que busque enfrentar as economias ilícitas e promover o cuidado das pessoas e comunidades afetadas precisa considerar que são o contexto histórico e as respostas repressivas da guerra às drogas que têm gerado os principais danos. Dessa forma, as ações estruturais de redução de danos devem incluir a interrupção dos ciclos de violência, a prevenção do encarceramento em massa e a ampliação da cidadania, garantindo acesso à educação, ao emprego e a serviços sociais e de saúde. A redução de danos não pode ser apenas uma diretriz política; é fundamental que seja respaldada por dispositivos legais que consolidem essas práticas. A discussão proposta pelo Brasil acompanha as da Colômbia e Uruguai na afirmação da necessidade de uma nova política de drogas centrada nas pessoas, fundamentada nos direitos humanos e que responda às necessidades básicas de pessoas, comunidades e territórios. Durante a 68ª CND, o país apresentou sua nova política sobre drogas, que vem sendo construída pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos/MJSP desde 2023, e reforçou a importância de que políticas sobre drogas se atentem para as pessoas e comunidades mais afetadas por uma perspectiva histórica punitivista, que impactam mais pessoas negras, povos indígenas e mulheres, por exemplo. “E Portugal?” – quem acompanha as políticas de drogas pode se perguntar. Portugal possui uma das legislações mais inspiradoras do mundo, sendo referência na transição de um modelo baseado na segurança pública para outro que trata as drogas como uma questão de saúde pública. Na 68ª CND, o país reforçou esse entendimento e apoiou avanços em políticas centradas nas pessoas. É nessa estrada já pavimentada por Portugal que os países da América Latina argumentaram que é preciso ir além: é necessário construir caminhos para que políticas de drogas cuidem de pessoas, de comunidades e dos territórios, promovendo, além de acesso a serviços de saúde, desenvolvimento sustentável e direitos. Ainda muita estrada a percorrerEsses avanços não foram construídos em cinco dias. Um longo caminho vem sendo percorrido pelos que, há muito tempo, lutam por uma mudança do paradigma das políticas de drogas – e aqui os movimentos e organizações da sociedade civil são fundamentais na demanda por transformações. Um exemplo emblemático do quanto ainda é preciso avançar é o fato de que as resoluções adotadas na CND não enfrentam o problema do racismo. O tema está presente nos eventos paralelos, impulsionado sobretudo pela sociedade civil. Como destacou Dudu Ribeiro, co-fundador e diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, a política tradicional de guerra às drogas reforça a estrutura racista da sociedade e uma nova política de drogas precisa ter, necessariamente, uma dimensão antirracista. Essa afirmação, feita por ele na 68ª CND, ecoa o mesmo alerta que ele trouxe dez anos antes em outra sessão da CND. Ainda há muito a avançar. Em um cenário global de disputas e de hegemonia de políticas de drogas fundadas no argumento da segurança pública, a luta por uma política centrada nas pessoas e comunidades está longe de seu fim. A confiança em uma nova política de drogas virá da prática, da implementação de respostas centradas nas pessoas, comunidades e territórios que ampliem a vida e produzam transformações para as pessoas. Será daí, das experiências práticas e locais, que será possível mostrar que a força de uma política não se mede pela sua capacidade de repressão e condenação, mas pela sua capacidade de cuidar das pessoas e impactar positivamente pessoas, comunidades e territórios. Talvez assim possamos, enfim, compreender que a segurança mesmo não se constrói com medo, mas com esperança. | A A |
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A A | O rastro do nazismo termina em Tel AvivSinais de nova ofensiva contra Gaza convidam à reflexão indispensável. De que forma a criação dum enclave branco no Oriente Médio foi outra forma de segregar os judeus? E como este Estado reproduz o extermínio que vitimou seu povo? Por Franco (Bifo) Berardi, em seu Substack | Tradução: Antonio Martins Na Alemanha, país derrotado, o ódio transforma em determinação genocida. Mas não se deve acreditar que apenas a Alemanha seja responsável pelo extermínio. Poloneses, franceses, austríacos, húngaros, romenos, ucranianos, italianos são cúmplices, em diferentes gradações, da deportação e do extermínio dos judeus da Europa. De que eram culpados os judeus da Europa? De serem inspiradores do internacionalismo, enquanto os europeus se apaixonavam pelas mitologias idiotas da pátria. Com a vitória de Hitler, o extermínio dos judeus se aproxima. Depois de derrotar os operários comunistas, chegou a vez deles. A pertença étnica tomou o lugar da universalidade, como está acontecendo novamente hoje na Europa do século XXI. Mas a história não termina aí. Após 1945, coloca-se o problema de o que fazer com os judeus que Hitler não conseguiu matar, porque as tropas da União Soviética chegaram e os libertaram dos campos onde estavam morrendo de fome (como hoje se morre de fome em Gaza). O que fazer com esses judeus sobreviventes? Os europeus decidem livrar-se deles, vomitá-los para fora (como diz Amos Oz em Uma História de Amor e Trevas). “Depois de exterminá-los, tirêmo-los de nosso caminho”, dizem os ingleses “Vamos apoiá-los, armá-los e usá-los para proteger nossos interesses em uma área cheia de petróleo”. Nacionalistas judeus como Vladimir Jabotinsky, admirador de Benito Mussolini, foram úteis para esse propósito, enquanto comunidades de judeus socialistas e anarquistas foram à Palestina para se afastar do Ocidente assassino. Mas naquela terra chamada Palestina habita um povo árabe, que recebe os recém-chegados com desconfiança, mas também com interesse. Seria possível fazer negócios, estabelecer alianças, como fazem grupos de judeus internacionalistas. Mas os europeus não enviaram os judeus sobreviventes do genocídio para fazer amizade com os árabes. Eles os mandaram para impor o domínio branco sobre a terra árabe. Depois de exterminar seis milhões de judeus, os europeus pretendem usar os sobreviventes como ponta de lança de seu domínio. Por isso Israel é uma continuação do Terceiro Reich: não apenas porque herdou suas técnicas de extermínio, mas também porque prepara a segunda fase do Holocausto, aquela em que a tarefa de eliminar os judeus (que no século XX foi cumprida pelas tropas de Hitler) caberá aos árabes. Isra-HellQuem enviou os judeus sobreviventes para a Palestina não podia deixar de saber que Israel pode ser armado o quanto se queira pelos imperialistas ocidentais, mas seu predomínio não durará para sempre e, no final, o país pagará seus crimes com juros. Quem raciocina com base na história, na geografia e na antropologia sabe disso perfeitamente. O fim de Israel não será apenas obra das oligarquias governantes árabes (as mais fascistas de todos, como a história mostrou, e as mais covardes, como demonstra sua atitude ambivalente em relação a Israel). Será sobretudo obra da guerra civil que já rasteja e que está destinada a eclodir mais cedo ou mais tarde. Os prólogos da guerra civil israelense já são todos visíveis. O Shin Bet [serviço israelense de segurança interna e vigilância] está na mira de Netanyahu porque começa a ficar claro que o principal responsável pelo pogrom de 7 de outubro chama-se Benjamin Netanyahu, como sustenta Adam Raz em seu livro recente, no qual demonstra que Netanyahu usou o Hamas para dividir os palestinos e permitiu que o pogrom prosseguisse para consolidar seu poder. Hoje, Israel é um lugar infernal onde prevalece o ódio genocida. Mas esse ódio não pode esconder o medo daqueles que sabem estar destinados a enfrentar um ódio igualmente grande que, mais cedo ou mais tarde, se desencadeará. É um lugar onde assassinos como os ministros da Defesa, Bezalel Smotrich e da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir distribuíram cem mil fuzis aos colonos predadores. A desintegração está na ordem do dia em todo o Ocidente, desde que o vice-presidente americano, neto de uma avó que tinha catorze armas de fogo na cozinha e no quarto, veio a Munique para dizer que, para ele, Putin é um amigo e a Europa, uma inimiga. | A A |
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